Expo GOT
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Gente de Outros Tempos
Foto de: Fototeca Municipal de Lagos
Gente de Lagos
Nesta urbe de colinas, que D. Sebastião elevou a cidade, destacam-se três igrejas e umas tantas residências senhoriais entrincheiradas num casario de moradias pequenas e alvas. Por detrás dos postigos mouriscos e escondidas do sol, as mulheres mais velhas, de roupagens negras, espreitam quem passa na rua.
Abrandada a calidez do astro-rei, uns pescadores pintam os seus barcos à beira-rio desenhando nas proas, em vivaz cromatismo, aquele olho que tudo vê, enquanto outros remendam redes ou preparam os aparelhos de anzóis que hão-de apanhar polvos, moreias e demais habitantes dos fundos marinhos.
Na pacata cidade a serenidade é episodicamente interrompida pelas sirenes das fábricas de conservas que anunciam a chegada dos barcos carregados de peixe, e chamam centenas de mulheres ao trabalho. Aqui, até o mais eufórico visitante vindo das alucinantes metrópoles do mundo acaba por relaxar num tal ritmo descontraído.
A curta distância de qualquer rua da cidade, a um pulo de gaiato lesto, está o rio e, logo à vista, o mar. É o Atlântico, mas a atitude destas gentes que o navegam e dele vivem é mediterrânica. Os lacobrigenses são amistosos e hospitaleiros, qualidades que partilham com outros habitantes de locais periféricos, sempre ávidos de novidades, novos rostos e novas ideias.
Aqui, todos se conhecem e sabem a vida uns dos outros. Qualidade e defeito das pequenas comunidades, simultaneamente fascínio e fado de uma pequena urbe que vai afirmando o seu carácter cosmopolita, e que em meados do século XX é “uma cidade meticulosamente limpa” e “cheia de gente honesta”, nas palavras da poetisa Sofia de Mello Breyner.
Lagos, Outubro 2014
Francisco Castelo
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Gente de Lagos
O Algarve sempre constituiu uma região bem demarcada e individualizada, quer em termos geográficos quer identitários, com características históricas, etnográficas, arquitectónicas e económicas específicas. Assim se explica, em grande parte, que tenha entrado no séc. XX como região periférica com uma economia baseada essencialmente na cultura dos frutos secos, na pesca, e na indústria conserveira; situação que se manteria até ao final da década de 60 e à profunda alteração induzida pelo Turismo.
Tal como outras urbes algarvias situadas no litoral, Lagos conheceu esta realidade e trilhou um percurso semelhante, tendo como pano de fundo a paisagem marítima de surpreendente beleza, tema privilegiado das atenções do olho mágico que tudo regista; essa máquina fotográfica que também registou os rostos daqueles que marcaram o devir da cidade.
Os estudos sociais têm vindo a revelar o poder das representações sobre a própria realidade que é suposto reflectirem e a importância do olhar do observador na construção desses imaginários. Tal como sucede com as representações do homem de paragens exóticas, estamos perante a representação de um “outro” que entendemos distante, porquanto nosso predecessor de gerações que temos dificuldade em evocar.
E porque o tempo foge, e é rápido, continuamos a recordar caras que a distância do tempo convida ao oblívio; contra o qual ripostamos com fotografias, espelhos do tempo que foi, auxiliares da memória que permanece.
São 26 pessoas, indivíduos concretos, com vidas próprias e singulares, mas poderiam ser outros 26 diferentes, ou várias centenas dos milhentos a quem devemos muito daquilo que somos hoje.
Lagos, Outubro de 2015
Francisco Castelo
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Gente de Outros Tempos
Tratamos a morte como se ela fosse uma inconveniência imprevisível, incómoda à vida do quotidiano. Achamo-la repulsiva e passámos a considerar como mórbida a sua exposição. Isto é uma atitude eminentemente ocidental, e particularmente europeia, quase sem equivalente noutras culturas, ou pelo menos não de forma tão acutilante. Uma explicação superficial pode assentar no facto da Europa ter sido palco, durante o séc. XX, de conflitos que dizimaram cerca de cem milhões de seres humanos e que essas atrocidades ainda pairam na nossa memória, esses fantasmas ainda nos assombram.
Mas não tem de ser assim, o retrato, enquanto registo do passado, serve primeiramente o imperativo de lutar contra o oblívio, o esquecimento a que todos estamos votados ao fim de duas ou três gerações. Não se trata, obviamente, da demanda por aquela antiga aspiração humana, quase tão antiga como a própria espécie: a busca da imortalidade; mas tão-somente o desejo de se ser extensamente lembrado.
E esse exercício de memória sobre os ausentes, que recorre ao discurso das imagens para conhecer ou recordar os rostos de pessoas que já partiram, e a quem devemos muito daquilo que somos hoje, é o desígnio desta terceira edição da exposição Gente de Outros Tempos, que tem como base os contributos dos familiares dos retratados e o acervo da Fototeca Municipal de Lagos.
Lagos, Maio de 2018
Francisco Castelo